Incentivo à terceirização da saúde.

Projeto na Câmara Federal quer regulamentar a contratação de médicos temporários. Sindicato e Ministério Público são contra a medida. A contratação de médicos por meio de cooperativas se tornou alternativa buscada por municípios que pretendem reduzir custos ou contornar a necessidade de concursos para contratar e repor profissionais. Vista com preocupação pelo Sindicato dos Médicos do Paraná, Ministério Público e Ministério Público do Trabalho, a prática pode ganhar fôlego com a aprovação de um projeto de lei que pretende regulamentar a atividade. De autoria do deputado federal Bernardo Santana de Vasconcellos (PR-MG), a iniciativa objetiva dar mais segurança jurídica a profissionais atuantes sobre o regime. Exemplos Por causa da dificuldade em manter profissionais da saúde nos quadros funcionais, Lon­­drina abriu licitação emergencial para contratar clínicos-gerais e pediatras para atuarem nos pronto-atendimentos. Ao todo, a cooperativa gaúcha Pró­­ativa – vencedora da licitação –, recebe R$ 477,17 por plantão de seis horas em um contrato de 12 meses com valor aproximado de R$ 3,5 milhões. O serviço, contudo, recebe má avaliação da população. Segundo o secretário de Saúde em exercício de Londrina, Márcio Makoto Nishida, a rotatividade dos médicos em cidades de pequeno e médio porte é inimiga da gestão da saúde. “Os profissionais que entram nesses concursos acabam saindo na primeira oportunidade em razão dos salários baixos e de uma carreira pouco atraente”, explica. “Como a prefeitura faz repasse direto à cooperativa, há um encargo de impostos menor, aumentando os ganhos do profissional”, completa. Com isso, o gestor obtém certa flexibilidade para lidar com o problema. Por outro lado, o presidente do Sindicato dos Médicos do Paraná, Mário Antônio Ferrari, considera as cooperativas de profissionais “uma afronta à Constituição”. Na avaliação dele, a contratação de cooperativas, seja por meio de licitações ou de decretos, é um risco tanto para a população quanto para o médico cooperado. “Se houver algum erro em uma emergência, a responsabilidade civil pode recair sobre todos os profissionais filiados”, alerta. Falta de verba dificulta admissão de médicos Parte da explicação para a dificuldade do poder público em contratar médicos advém da falta de financiamento da saúde. O não cumprimento da Emenda Cons­­titucional 29 faz com que não sejam feitos os investimentos mínimos previstos na área: 10% das receitas da União; 12% por parte dos estados; e 15% dos municípios. Como a maior parte dos estados e do governo federal descumpre a legislação – a exemplo do Paraná –, investindo o recurso em setores como saneamento, o esforço maior acaba recaindo sobre o ente mais pobre: o município. De acordo com Marco Antônio Teixeira, coordenador do Centro de Apoio das Promotorias de Proteção à Saúde Pública, houve uma queda vertiginosa dos gastos do governo federal. Em 1995, de cada R$ 100 destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS), R$ 70 eram oriundos da União. Em 2011, o investimento caiu para R$ 40. “Evidentemente que a União e os estados precisam cumprir a Emenda 29. Pior é que, além de não cumprir, existe uma regressão do quanto se destina à saúde. Isso explica a dificuldade de financiamento e os baixos salários dos médicos”, diz. Remuneração Outro empecilho é o fato de a remuneração do médico – um servidor público – se submeter à Lei Orgânica Municipal, sendo impossível um profissional da saúde receber salário superior ao do prefeito. “Em municípios pequenos, os vencimentos dos prefeitos não são substanciais. Para o médico, esse salário não é atrativo”, afirma. Questionado sobre a adoção dos convênios, o Ministério da Saúde diz que a responsabilidade é dos estados e das prefeituras. PR precisa regularizar contratos trabalhistas O Ministério Público do Trabalho (MPT) deu prazo até dezembro para que o governo do Paraná regularize a contratação de trabalhadores de entidades hospitalares mantidas pelo estado. Para o procurador Inajá Vanderlei dos Santos, a contratação de mão de obra via cooperativas, convênios ou contratos temporários por parte do estado contraria a Constituição Federal. A legislação trabalhista veda a terceirização em atividades fins, como a saúde. A presidente da Copamed, Rached Hajar Traya, afirma que a contratação e a fiscalização das cooperativas é realizada pelo próprio poder público. “É lícito e pertinente que tenham esse tipo de preocupação com a execução e a qualidade do trabalho”, afirma. A esperança de Traya é que a aprovação do projeto de lei em Brasília possa abrir brecha para uma discussão sem preconceitos: “De um lado, há uma demanda reprimida e a incapacidade do estado em prover qualidade de atendimento à população. Na outra ponta, há uma alternativa que esbarra no ponto de vista do Ministério Público do Trabalho”. Cronograma Ainda neste mês, o governo deve apresentar ao MPT cronograma indicando como será a regularização sem acarretar prejuízo à população. O descumprimento da determinação da Justiça prevê pagamento de multa diária de R$ 5 mil por infração, com valores revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador. Se­­gundo a Secretaria de Estado da Saúde, os prazos estão sendo cumpridos e no dia 16 de setembro haverá reunião para discutir o assunto. O projeto, que aguarda o parecer de três comissões da Câmara, deve superar ao menos dois temas polêmicos: (1) a inexistência de vínculo empregatício entre médicos e cooperativas e (2) o fato de as contratações serem encaradas pela Justiça do Trabalho como terceirização da saúde, um serviço essencial e que deve ser fornecido pelo Estado. “O poder público não pode terceirizar atividades integralmente para o setor privado. É autorizada a complementação da oferta de serviço”, explica Marco Antônio Teixeira, procurador de justiça e coordenador do Centro de Apoio das Promo­­torias de Proteção à Saúde Pública. Presidente da Cooperativa Paranaense de Medicina (Copamed) – a maior do Paraná com 930 profissionais cadastrados –, Rached Hajar Traya diz que participar da associação aumenta as oportunidades de trabalho para o profissional e se torna solução viável para os gestores. “Se abrir concurso, não vai conseguir contratar a mão de obra necessária”, afirma. Traya relata outros dois fatores que pesam para os médicos entrarem em cooperativas: o profissional é o gestor do próprio negócio e a força da categoria nas discussões salariais. Fonte: Jornal; Gazeta do Povo, (10/10/2011).