Cooperativas de crédito chegam a locais que os bancos não alcançam.

Um instrumento importante para o desenvolvimento de regiões carentes do país, as cooperativas de crédito fazem o papel de levar recursos para locais que não têm acesso aos serviços de uma agência bancária, por exemplo. Por meio da interação solidária, aumentam a confiança entre as pessoas e patrocinam as mudanças na realidade de uma comunidade. São administradas pelos próprios cooperados e voltadas, principalmente, para o pequeno agricultor, que muitas vezes não tem qualquer tipo de garantia a oferecer. Diferente­­mente de uma instituição financeira, como o banco, a cooperativa de crédito não visa ao lucro, mas à transformação social. “Ela existe por causa do capital, a matéria-prima é o dinheiro, mas sua função é social. Não trabalha em cima do acúmulo de capital, mas vem a serviço do homem” explica Denys Dozsa, vice-coordenador da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP-PR) da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

ITCP
Incubadora da UFPR ajuda cooperativas a se desenvolverem Uma incubadora serve para ajudar no desenvolvimento inicial de um ser, dando toda alimentação necessária para seu crescimento até que sua sobrevivência esteja garantida. A Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP-PR) é um programa de extensão e pesquisa da Universidade Federal do Paraná (UFPR) que procura desenvolver esse papel para grupos interessados no trabalho coletivo através de cooperativas e associações. Formado por alunos de diversos cursos, professores e técnico-administrativos, o ITCP procura fazer da economia solidária uma afirmação da cidadania. Baseado no respeito ao saber das pessoas, estimula a autogestão nas busca por geração de trabalho e renda. “O objetivo maior é você empoderar as pessoas com o conhecimento que temos dentro da universidade e fazer o contato da comunidade com a universidade. A comunidade é muito sábia, por causa da tecnologia social, e essa troca de conhecimentos é muito importante” afirma o professor Luiz Panhoca, coordenador da ITCP. Voltado para pessoas desempregadas, subempregadas, autônomas e pequenos produtores rurais, o trabalho começa com a análise da realidade do grupo ou cooperativa e depois são apontados caminhos. “Nunca tomamos uma decisão, a gente mostra alternativas. Não vamos com um curso pronto, mas com perguntas que são respondidas pelas pessoas da própria cooperativa.” Panhoca explica que os problemas apresentados pelo público atendido é trazido para dentro da incubadora e discutidos em conjunto. “Temos um papel de universidade, cuja intenção é formar profissionais, então desenvolvemos a teoria aliada à prática e à comunidade. Procuramos pegar os alunos da universidade, que são a ponte com o exterior da UFPR, e colocá-los numa realidade social diferente da tecnologia de ponta, para dar uma formação mais solidária. Queremos formar um profissional consciente da realidade lá fora.”
ONU
A Organização das Nações Unidas proclamou 2012 como o ano internacional das cooperativas. Os objetivos para este ano são promover a conscientização sobre as contribuições das cooperativas para a geração de emprego e a melhoria da qualidade de vida; incentivar a criação e o crescimento dessas instituições e a criação de um ambiente favorável ao desenvolvimento desses grupos de trabalho.
1.273
cooperativas de crédito existem no Brasil, segundo o Portal do Coopera­­tivismo de Crédito. Na América Latina, o país fica atrás apenas da Venezuela, que tem 1.755.
Segundo o pesquisador, essas cooperativas fogem da exigência de garantia, ou aval, para conceder o crédito, como os bancos fazem, e permitem que um grupo de vizinhos ou parentes avalize uma pessoa, se ela tem mesmo necessidade daquele investimento e se pode pagar. “Nesse sistema de aval solidário a pessoa vale o que ela é e não o que ela tem”, fala Dozsa. Cerro Azul São essas instituições que chegam a localidades não tão distantes dos grandes centros, mas que apresentam um quadro de desenvolvimento ainda muito precário, como é o caso do Vale do Ribeira. Situada nos estados do Paraná e São Paulo, a região abriga os municípios paranaenses com os menores índices de desenvolvimento humano (IDH). Em Cerro Azul, por exemplo, o IDH está em 0,684, enquanto Curitiba, a uma distância de menos de 90 quilômetros, tem um índice de 0,856, segundo dados de 2000 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em Cerro Azul está sediada uma base da Cresol, sistema de cooperação de crédito rural com interação familiar, que reúne diversas cooperativas singulares, ou seja, instituições independentes e com suas próprias regras de conduta que agem de acordo com a realidade do município em que estão inseridas. Embora o sistema Cresol exista desde a metade da década de 90, a agência de Cerro Azul foi implantada em 2001. “Quando fundamos o sistema, mais de 70% dos nossos associados não possuía conta corrente e não tinha acesso a crédito, principalmente o Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, do governo federal]. Nossa realidade no Vale do Ribeira era ainda mais complicada, pois, além de ser umas das regiões mais pobre do Paraná, as famílias não tinham acesso aos bancos por não possuirem renda”, conta Adriano Briatori, presidente da Cresol de Cerro Azul e um dos criadores do sistema. Dozsa afirma que esse sistema de cooperativas rompe com o entendimento da economia tradicional e essas estruturas acabam possibilitando a superação de algumas dificuldades do local onde estão instaladas. “Essas cooperativas têm um compromisso com sua comunidade e passam a fomentar outros tipos de organização. Elas se fortalecem e mantêm esses laços de confiança entre as pessoas.” Contribuição vira círculo virtuoso Segundo o Portal do Coope­rativismo de Crédito, hoje são 1.273 cooperativas de crédito no Brasil. Na América Latina, o país fica atrás só da Venezuela (1.755). Embora nem todas trabalhem com o sistema de aval solidário, em que um grupo de pessoas dá as garantias do investimento por uma delas, as cooperativas ainda sim reforçam o investimento feito dentro da comunidade. Entre os principais sistemas de crédito do país está o Sicredi, composto por 113 cooperativas em dez estados. O presidente da central do sistema no Paraná e São Paulo, Manfred Alfonso Dasenbrock, diz que, apesar de todas essas cooperativas estarem ligadas por uma mesma marca, produtos e regulamentos, elas têm autonomia nas decisões e modo de atuação, adaptadas de acordo com o local onde estão inseridas. “Cada cooperativa cria uma identidade de acordo com a identidade da comunidade onde elas estão.” Dasenbrock destaca que nesse sistema não existe lucro para a cooperativa, mas sobras, cujo destino é decido em assembleia. “Todo recurso que é captado numa comunidade é aplicado naquela comunidade mesmo. E através dessa capitalização, fazemos a alavancagem de outros bancos para as ações necessárias”, explica. O Sicredi está voltado para o produtor rural, profissionais liberais, empregados e pessoas jurídicas de pequeno e grande porte. “Nosso negócio está centrado no agro, então atuamos com o agricultor e no comércio ligado ao campo. Mas por estarmos em cidades pequenas, com poucas opções, acabamos atendendo também o professor, o médico.” Intercooperação Outro grande sistema que fornece crédito para diversas áreas de atuação é o Sicoob. Segundo o superintendente de desenvolvimento organizacional da instituição, José Carlos Assunção, entre os sete princípios fundamentais que regem as cooperativas do sistema, dois são relacionados à comunidade: a intercooperação das cooperativas, em que uma auxilia a outra em suas dificuldades, e o interesse pela comunidade por meio de políticas sustentáveis, como o apoio a instituições de ensino, fomento a projetos educacionais, entre outros. “Quando o dinheiro fica na sua origem, como é nesse caso das cooperativas, cria-se um círculo virtuoso, como chamamos. Os recursos giram em torno da própria comunidade e a cooperativa não tem por objetivo emprestar por emprestar. Ela tem o compromisso de emprestar se for necessário e orientar quando não for”, afirma Assunção. Financiamento abre portas para uma vida melhor Na localidade de Barra Bonita, em Cerro Azul, mora a família de Alderico Luciano, agricultor de 45 anos. Sócio da Cresol desde 2003, Luciano viu sua vida mudar muito desde que decidiu se associar. Homem do campo, sempre teve seu pedaço de chão, mas precisava trabalhar na propriedade de outras pessoas porque não tinha dinheiro para comprar sementes e adubo para plantar na sua terra. “Numa reunião em 2000 fiquei sabendo da criação da Cresol daqui de Cerro Azul, mas fiquei com medo de entrar, porque não conhecia. Falaram que com a cooperativa os agricultores iriam andar de caminhonete, e eu também queria. Uma hora nossa vez ia chegar”, recorda. Aos poucos, o agricultor está alcançando esse sonho. Duas vacas Em 2004, ele pegou o primeiro investimento pela cooperativa. Com o dinheiro comprou duas vacas, um triturador de ração e quatro rolos de arame. Com o leite produzido pelas vacas, a esposa de Luciano, Roseli, fazia queijo e usava o soro que sobrava para alimentar os porcos. A alimentação da família melhorou e quando foi pagar a primeira parcela do empréstimo, em 2006, o agricultor usou o dinheiro da venda de um terneiro que tinha nascido em sua propriedade. Hoje são sete cabeças de gado, mas o rebanho já chegou a 12. “A gente fez mais dinheiro do que esperava. A gente não tinha renda nenhuma e agora olha a moradia que nós temos. Nem banheiro a gente tinha e hoje a água é encanada. De um tempo para cá, as coisas só estão melhorando” diz Luciano. Fonte: Jornal Gazeta do Povo (13/09/2012).