Cooperativas de crédito chegam a locais que os bancos não alcançam.
Um instrumento importante para o desenvolvimento de regiões carentes do país, as
cooperativas de crédito fazem o papel de levar recursos para locais que não têm
acesso aos serviços de uma agência bancária, por exemplo. Por meio da interação
solidária, aumentam a confiança entre as pessoas e patrocinam as mudanças na
realidade de uma comunidade. São administradas pelos próprios cooperados e
voltadas, principalmente, para o pequeno agricultor, que muitas vezes não tem
qualquer tipo de garantia a oferecer.
Diferentemente de uma instituição financeira, como o banco, a cooperativa
de crédito não visa ao lucro, mas à transformação social. “Ela existe por causa
do capital, a matéria-prima é o dinheiro, mas sua função é social. Não trabalha
em cima do acúmulo de capital, mas vem a serviço do homem” explica Denys Dozsa,
vice-coordenador da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP-PR)
da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Segundo o pesquisador, essas cooperativas fogem da exigência de garantia, ou
aval, para conceder o crédito, como os bancos fazem, e permitem que um grupo de
vizinhos ou parentes avalize uma pessoa, se ela tem mesmo necessidade daquele
investimento e se pode pagar. “Nesse sistema de aval solidário a pessoa vale o
que ela é e não o que ela tem”, fala Dozsa.
Cerro Azul
São essas instituições que chegam a localidades não tão distantes dos grandes
centros, mas que apresentam um quadro de desenvolvimento ainda muito precário,
como é o caso do Vale do Ribeira. Situada nos estados do Paraná e São Paulo, a
região abriga os municípios paranaenses com os menores índices de
desenvolvimento humano (IDH). Em Cerro Azul, por exemplo, o IDH está em 0,684,
enquanto Curitiba, a uma distância de menos de 90 quilômetros, tem um índice de
0,856, segundo dados de 2000 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea).
Em Cerro Azul está sediada uma base da Cresol, sistema de cooperação de
crédito rural com interação familiar, que reúne diversas cooperativas
singulares, ou seja, instituições independentes e com suas próprias regras de
conduta que agem de acordo com a realidade do município em que estão inseridas.
Embora o sistema Cresol exista desde a metade da década de 90, a agência de
Cerro Azul foi implantada em 2001.
“Quando fundamos o sistema, mais de 70% dos nossos associados não possuía
conta corrente e não tinha acesso a crédito, principalmente o Pronaf [Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, do governo federal]. Nossa
realidade no Vale do Ribeira era ainda mais complicada, pois, além de ser umas
das regiões mais pobre do Paraná, as famílias não tinham acesso aos bancos por
não possuirem renda”, conta Adriano Briatori, presidente da Cresol de Cerro Azul
e um dos criadores do sistema.
Dozsa afirma que esse sistema de cooperativas rompe com o entendimento da
economia tradicional e essas estruturas acabam possibilitando a superação de
algumas dificuldades do local onde estão instaladas. “Essas cooperativas têm um
compromisso com sua comunidade e passam a fomentar outros tipos de organização.
Elas se fortalecem e mantêm esses laços de confiança entre as pessoas.”
Contribuição vira círculo virtuoso
Segundo o Portal do Cooperativismo de Crédito, hoje são 1.273 cooperativas
de crédito no Brasil. Na América Latina, o país fica atrás só da Venezuela
(1.755). Embora nem todas trabalhem com o sistema de aval solidário, em que um
grupo de pessoas dá as garantias do investimento por uma delas, as cooperativas
ainda sim reforçam o investimento feito dentro da comunidade.
Entre os principais sistemas de crédito do país está o Sicredi, composto por
113 cooperativas em dez estados. O presidente da central do sistema no Paraná e
São Paulo, Manfred Alfonso Dasenbrock, diz que, apesar de todas essas
cooperativas estarem ligadas por uma mesma marca, produtos e regulamentos, elas
têm autonomia nas decisões e modo de atuação, adaptadas de acordo com o local
onde estão inseridas. “Cada cooperativa cria uma identidade de acordo com a
identidade da comunidade onde elas estão.”
Dasenbrock destaca que nesse sistema não existe lucro para a cooperativa, mas
sobras, cujo destino é decido em assembleia. “Todo recurso que é captado numa
comunidade é aplicado naquela comunidade mesmo. E através dessa capitalização,
fazemos a alavancagem de outros bancos para as ações necessárias”, explica.
O Sicredi está voltado para o produtor rural, profissionais liberais,
empregados e pessoas jurídicas de pequeno e grande porte. “Nosso negócio está
centrado no agro, então atuamos com o agricultor e no comércio ligado ao campo.
Mas por estarmos em cidades pequenas, com poucas opções, acabamos atendendo
também o professor, o médico.”
Intercooperação
Outro grande sistema que fornece crédito para diversas áreas de atuação é o
Sicoob. Segundo o superintendente de desenvolvimento organizacional da
instituição, José Carlos Assunção, entre os sete princípios fundamentais que
regem as cooperativas do sistema, dois são relacionados à comunidade: a
intercooperação das cooperativas, em que uma auxilia a outra em suas
dificuldades, e o interesse pela comunidade por meio de políticas sustentáveis,
como o apoio a instituições de ensino, fomento a projetos educacionais, entre
outros.
“Quando o dinheiro fica na sua origem, como é nesse caso das cooperativas,
cria-se um círculo virtuoso, como chamamos. Os recursos giram em torno da
própria comunidade e a cooperativa não tem por objetivo emprestar por emprestar.
Ela tem o compromisso de emprestar se for necessário e orientar quando não for”,
afirma Assunção.
Financiamento abre portas para uma vida
melhor
Na localidade de Barra Bonita, em Cerro Azul, mora a família de Alderico
Luciano, agricultor de 45 anos. Sócio da Cresol desde 2003, Luciano viu sua vida
mudar muito desde que decidiu se associar. Homem do campo, sempre teve seu
pedaço de chão, mas precisava trabalhar na propriedade de outras pessoas porque
não tinha dinheiro para comprar sementes e adubo para plantar na sua terra.
“Numa reunião em 2000 fiquei sabendo da criação da Cresol daqui de Cerro
Azul, mas fiquei com medo de entrar, porque não conhecia. Falaram que com a
cooperativa os agricultores iriam andar de caminhonete, e eu também queria. Uma
hora nossa vez ia chegar”, recorda. Aos poucos, o agricultor está alcançando
esse sonho.
Duas vacas
Em 2004, ele pegou o primeiro investimento pela cooperativa. Com o dinheiro
comprou duas vacas, um triturador de ração e quatro rolos de arame. Com o leite
produzido pelas vacas, a esposa de Luciano, Roseli, fazia queijo e usava o soro
que sobrava para alimentar os porcos. A alimentação da família melhorou e quando
foi pagar a primeira parcela do empréstimo, em 2006, o agricultor usou o
dinheiro da venda de um terneiro que tinha nascido em sua propriedade. Hoje são
sete cabeças de gado, mas o rebanho já chegou a 12.
“A gente fez mais dinheiro do que esperava. A gente não tinha renda nenhuma e
agora olha a moradia que nós temos. Nem banheiro a gente tinha e hoje a água é
encanada. De um tempo para cá, as coisas só estão melhorando” diz Luciano.
Fonte: Jornal Gazeta do Povo (13/09/2012).